Mensagem

"Não permita que aquilo que você chama de amor se transforme em obsessão.
Amor é liberdade.
Amor é vida.
Jamais prisão ou limitação."

Militão Pacheco

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Reencarnação ou Ressurreição?


A reencarnação fazia parte dos dogmas judeus, sob o nome de ressurreição. Somente os saduceus, que pensavam que tudo acabava com a morte, não acreditavam nela. As idéias dos judeus sobre essa questão, como sobre muitas outras, não estavam claramente definidas. Porque só tinham noções vagas e incompletas sobre a alma e sua ligação com o corpo. Eles acreditavam que um homem podia reviver, sem terem uma idéia precisa da maneira por que isso se daria, e designavam pela palavra ressurreição o que o Espiritismo chama, mais justamente, de reencarnação.

Com efeito, a ressurreição supõe o retorno à vida do próprio cadáver, o que a Ciência demonstra ser materialmente impossível, sobretudo quando os elementos desse corpo já estão há muito dispersos e consumidos. A reencarnação é à volta da alma ou Espírito à vida corpórea, mas num outro corpo, novamente constituído, e que nada tem a ver com o antigo.

A palavra ressurreição podia, assim, aplicar-se a Lázaro, mas não a Elias, nem aos demais profetas. Se, portanto, segundo sua crença, João Batista era Elias, o corpo de João não podia ser o de Elias, pois que João tinha sido visto criança e seus pais eram conhecidos. João podia ser, pois, Elias reencarnado, mas não ressuscitado.

E havia um homem dentre os fariseus, por nome Nicodemos, senador dos judeus. Este, uma noite, veio buscar a Jesus, e disse-lhe: Rabi, sabemos que és mestre, vindo da parte de Deus, porque ninguém pode fazer estes milagres, que tu fazes, se Deus não estiver com ele. Jesus respondeu e lhe disse:

Na verdade, na verdade te digo que não pode ver o Reino de Deus senão aquele que renascer de novo. Nicodemos lhe disse: Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode entrar no ventre de sua mãe e nascer outra vez? Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus, o que é nascido de carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito.

Não te maravilhes de eu te dizer que vos importa nascer de novo.

O Espírito sopra onde quer, e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde ele vem, nem para onde vai. Assim é todo aquele que é nascido do Espírito. Perguntou Nicodemos: Como se pode fazer isto? Respondeu Jesus: Tu és mestre em Israel, e não sabes estas coisas? Em verdade, em verdade te digo: que nós dizemos o que sabemos, e damos testemunho do que vimos, e vós, com tudo isso, não recebeis o nosso testemunho. Se quando eu vos tenho falado das coisas terrenas, ainda assim me credes, como creríeis, se eu vos falasse das celestiais? (João, III: 1-12)

A idéia de que João Batista era Elias, e de que os profetas podiam reviver na Terra, encontra-se em muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas acima reproduzidas (nº 1 a 3). Se essa crença fosse um erro, Jesus não deixaria de combatê-la, como fez com tantas outras. Longe disso, porém, ele a sancionou com toda a sua autoridade, e a transformou num princípio, fazendo-a condição necessária, quando disse: Ninguém pode ver o Reino dos Céus, se não nascer de novo. E insistiu, acrescentando: Não te maravilhes de eu ter dito que é necessário nascer de novo.

Estas palavras: “Se não renascer da água e do Espírito”, foram interpretadas no sentido da regeneração pela água do batismo. Mas o texto primitivo diz simplesmente: Não renascer da água e do Espírito, enquanto que, em algumas traduções, a expressão do Espírito foi substituída por do Espírito Santo, o que não corresponde ao mesmo pensamento. Esse ponto capital ressalta dos primeiros comentários feitos sobre o Evangelho, assim como um dia será constatado sem equívoco possível.(1)

Para compreender o verdadeiro sentido dessas palavras, é necessário reportar à significação da palavra, que não foi empregada no seu sentido específico. Os antigos tinham conhecimentos imperfeitos sobre as ciências físicas, e acreditavam que a Terra havia saído das águas.

Por isso, consideravam a água como o elemento gerador absoluto. É assim que encontramos no Gênesis: “O Espírito de Deus era levado sobre as águas”, “flutuava sobre as águas”, “que o firmamento seja no meio das águas”, que as águas que estão sob o céu se reúnam num só lugar, e que o elemento árido apareça”, “que as águas produzam animais viventes, que nadem na água, e pássaros que voem sobre a terra e debaixo do firmamento”.

Conforme essa crença, a água se transformara no símbolo da natureza material, como o Espírito o era da natureza inteligente. Estas palavras: “Se o homem renascer da água e do Espírito”, ou “na água e no Espírito”, significam pois: “Se o homem não renascer com o corpo e a alma”. Neste sentido é que foram compreendidas no princípio.

Esta interpretação se justifica, aliás, por estas outras palavras: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito”. Jesus faz aqui uma distinção positiva entre o Espírito e o corpo. “O que é nascido da carne é carne”, indica claramente que o corpo procede apenas do corpo, e que o Espírito é independente dele.

“O Espírito sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai”, é uma passagem que se pode entender pelo Espírito de Deus que dá a vida a quem quer, ou pela alma do homem. Nesta última acepção, a seqüência: “mas não sabes de onde vem nem para onde vai”, significa que não se sabe o que foi nem o que será o Espírito. Se, pelo contrário, o Espírito, ou alma, fosse criado com o corpo, saberíamos de onde ele vem, pois conheceríamos o seu começo. Em todo caso, esta passagem é a consagração do principio da preexistência da alma, e por conseguinte da pluralidade das existências.

Desde os tempos de João Batista até agora, o Reino dos Céus é tomado pela força, e os que fazem violência são os que o arrebatam. Porque todos os profetas e a lei, até João, profetizaram. E se vós o quereis bem compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir. O que tem ouvidos de ouvir, ouça”. (Mateus, XI: 12-15)

Se o princípio da reencarnação, expresso em São João, podia, a rigor, ser interpretado num sentido puramente místico, já não aconteceria o mesmo nesta passagem de São Mateus, onde não há equívoco possível: “Ele mesmo é o Elias que há de vir”. Aqui não existe figura, em alegoria; trata-se de uma afirmação positiva. “Desde o tempo de João Batista até agora, o Reino dos Céus é tomado pela força”, que significam estas palavras, pois João ainda vivia no momento em que foram ditas? Jesus as explica, ao dizer:

“E se vós o quereis bem compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir”. Ora, João tendo sido Elias, Jesus alude ao tempo em que João vivia com o nome de Elias. “Até agora, o Reino dos Céus é tomado pela força”, é outra alusão à violência da lei mosaica, que ordenava o extermínio dos infiéis, para a conquista a Terra Prometida, Paraíso dos hebreus que, segundo a nova lei, o céu é ganho pela caridade e pela brandura. A seguir, acrescenta: “O que tem ouvidos de ouvir, ouça”. Essas palavras, tão freqüentemente repetidas por Jesus, exprimem claramente que nem todos estavam em condições de compreender certas verdades.

Os teus mortos viverão. Os meus, a quem tiraram a vida, ressuscitarão. Despertai e cantai louvores, vós os que habitais no pó, porque o orvalho que cai sobre vós é orvalho de luz, e arruinareis a terra e o reino dos gigantes”. (Isaias, XXVI: 19)

Esta passagem de Isaias é também bastante clara: “Os teus mortos viverão”. Se o profeta tivesse querido falar da vida espiritual, se tivesse querido dizer que os mortos não estavam mortos em Espírito, teria dito: “ainda vivem”, e não: “viverão”. Do ponto de vista espiritual, essas palavras seriam um contra senso, pois implicariam uma interrupção na vida da alma. No sentido de regeneração moral, seriam as negações das penas eternas, pois estabelecem o princípio de que todos os mortos reviverão.

Quando o homem morre uma vez, e seu corpo, separado do espírito, é consumido, em que se torna ele? Tendo o homem morrido uma vez, poderia ele reviver de novo? Nesta guerra em que me encontro, todos os dias de minha vida, estou esperando que chegue a minha mutação (Job, XIV: 10-14, segundo a tradução de Sacy).

Quando o homem morre, perde toda a sua força e expira depois, onde está ele? Se o homem morre, tornará a viver? Esperarei todos os dias de meu combate, até que chegue a minha transformação? (Id. Tradução protestante de Osterwald).

Quando o homem está morto, vive sempre; findando-se os dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a ela voltarei novamente. (Id. Versão da Igreja Grega).

O princípio da pluralidade das existências está claramente expresso nessas três versões. Não se pode supor que Job quisesse falar da regeneração pela água do batismo, que ele certamente não conhecia. “Tendo o homem morrido uma vez, poderia ele reviver de novo?” A idéia de morrer uma vez e reviver implicam a de morrer e reviver muitas vezes. A versão da Igreja Grega é ainda mais explicita, se possível: “Findando-se os dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a ela voltarei novamente”. Quer dizer: eu voltarei à existência terrena. Isto é tão claro como se alguém dissesse. “Saio de casa, mas a ela voltarei.”

“Nesta guerra em que me encontro, todos os dias de minha vida, estou esperando que chegue a minha mutação”. Job quer falar, evidentemente, da luta que sustenta as misérias da vida. Ele espera a sua mutação, ou seja, ele se resigna. Na versão grega, a expressão “esperarei”, parece antes se aplicar à nova existência: “Findando-se os dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a ela voltarei novamente”, Job parece colocar-se, após a morte, num intervalo que separa uma existência de outra, e dizer que ali esperará o seu retorno.

Não é, pois, duvidoso, que sob o nome de ressurreição, o princípio da reencarnação fosse uma das crenças fundamentais dos judeus, e que ela foi confirmada por Jesus e pelos profetas, de maneira formal. Donde se segue que negar a reencarnação é renegar as palavras do Cristo. Suas palavras, um dia, constituirão autoridade sobre este ponto, como sobre muitos outros, quando forem meditadas sem partidarismo.

A essa autoridade, de natureza religiosa, virá juntar-se no plano filosófico, a das provas que resultam da observação dos fatos. Quando dos efeitos se quer remontar às causas, a reencarnação aparece como uma necessidade absoluta, uma condição inerente à humanidade, em uma palavra, como uma lei da natureza. Ela se revela, pelos seus resultados, de maneira por assim dizer material, como o motor oculto se revela pelo movimento que produz. Somente ela pode dizer ao homem de onde ele vem, para onde vai, por que se encontra na Terra, e justificar todas as anomalias e todas as injustiças aparentes da vida.

Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências, a maior parte das máximas do Evangelho são ininteligíveis, e por isso tem dado motivo a interpretações tão contraditórias. Esse princípio é a chave que deve restituir-lhes o verdadeiro sentido.

(1) A tradução de Osterwald está conforme o texto primitivo, e traz: não renascer da água e do Espírito. A de Sacy diz do Espírito Santo. A de Lamennais também diz: Espírito Santo.

(2) Para o desenvolvimento do dogma da reencarnação, ver O Livro dos Espíritos, caps IV e V; O que é o Espiritismo, cap. II; ambos de Allan Kardec; e a Pluralidade das Existências, de Pezzani. (Nota do Tradutor: A palavra “dogma”, figura aqui no sentido racional e não fideísta, como “princípio” e não como dogma de fé O Espiritismo não é dogmático, no sentido religioso da palavra, mas têm princípios fundamentais, que filosoficamente são chamados dogmas).

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