de seu seu livro de poemas "ARGILA"
CANTO DE LIBERTAÇÃO
I
Oh tu que fechaste a doutrina
Na concha isolada do teu centro
E rezas,
Rezas
Rezas
Espargindo passes e água fluida
Como um sacerdote de hissope em punho,
Oh tu, que convertes os espíritos em santos
E só queres milagres,
Milagres,
Milagres
Olha um pouco à janela,
E vê o rio da vida borbulhando na planície
Os astros da noite cavalgando a montanha
As flores do campo aromando o vale
A dor,
Como uma aurora noturna
Avermelhando a terra e o mar
O mar e o céu.
Oh tu
Que pregas a caridade da doutrinação e da esmola,
Ouve a advertência de Paulo,
Escuta a lição de Kardec
Aprende que a humanidade sangra na ferida de um mendigo
E o choro de um órfão
No arrabalde esquecido
É o cantochão universal
Do choro de todos os órfãos do mundo reunidos.
Oh tu que recorres ao médium curador
E confias teus males ao poder misterioso de Hahnemann.
Não te esqueças de que há povos sangrando
Em hemoptises fratricidas
Não te esqueças da fome que devora
Teus irmãos agonizando entre riquezas
Não te esqueças
Dos abutres guerreiros
Que dividem o tempo em guerra e paz para o banquete metálico dos lucros.
Ergue os olhos do livro de preces, espírita,
Arranca do silencio a flor de sangue do teu coração
Recorda o Mestre no caminho do Gólgota
E marcha
Marcha
Marcha
De braços abertos e de fronte sangrando
Para a nova aurora da ressurreição
II
Não serás o que empunha o fuzil ou a baioneta
Porque já decifraste o mistério
Descobriste a chave dourada e frágil
Da enigmática porta do amanhã
Mas, empunha o teu coração como um archote
Rompe as trevas do egoísmo e da avareza
Marcha
Marcha
Marcha
Além do círculo das mesas e dos grupos
Semeando estrelas para o amanhecer.
Tua justiça não floresce no chão negro do ódio
Teu pão não é feito do trigo vermelho,
Empapado de sangue e de lágrimas.
Teu fuzil, é a verdade, disparando relâmpagos em vez de balas
Tua baioneta, é a palavra,
tersa e lúcida, como lâmina.
III
Não penses, porém, que ensinar é o bastante.
A doutrina que possuis não é máquina, é vida
Não podes conhecê-la e distribuí-la através de engrenagens
de pinos
de alavancas
de roelas
Tens de lançar-te de corpo inteiro a esse mar salgado e revolto
Tens de dominá-lo com teus braços e tuas pernas
Tens de senti-lo em todo o corpo
De beber a espuma e a salsugem
De ir ao fundo, em mergulhos de escafandro
Buscar a pérola escondida!
Não, não te enganes. Não penses que o mundo te espera como a um doutor.
Deixa aos fariseus o protocolo, a rabugice, a sapiência, o mistério.
Atira-te ao mar de peito nu, de braços nus , de pernas nuas.
E como um nadador,
Oferece aos homens,
Na ponta dos dedos gotejantes,
A rosa dos ventos
Colhida num golpe entre as espumas,
Com suas pontas vibráteis e límpidas
sem a lama teológica, nem o líquen dos rituais.
IV
O mundo te espera
Anseia pela aurora que fechaste na concha da mão
Pede um dilúvio
Da água que arrolhaste em tuas garrafas sobre a mesa
Rompe a casca sectária do medo
Quebra
Espatifa as tuas garrafas egoístas
Abre, de par em par, as portas e as janelas.
Deixa a estola, a pia, o altar, o incenso, [a imagem, a exegese e o terço]
Para os sacerdotes e os beatos.
Tua tarefa é outra, teu caminho é outro, teu destino é outro
A reencarnação não te ensina a esperar, mas a lutar!
Teu dever é rasgar as estradas do amanhã
Atravessando a carne densa da noite
Como a flecha da estrela matutina
V
Que fazes do poder dialético,
Da constelação de causas e efeitos
Que puseram em tuas mãos como um colar de estrelas e de sóis?
Que fazes, espírita, do mistério revelado
Erguendo a lápide como Lázaro?
Queres dormir ao som de rezas e promessas?
Queres sonhar com fadas e gnomos
Revividos em guias e protetores,
Quando o combate é teu, a luta é tua, é tua a experiência
E ninguém pode abrir
O desvão de pedra que te compete
Que pertence às tuas mãos e aos teus ombros?
Ouve, ouve ao longe
Sacudindo continentes e oceanos,
O soluço do mundo
Ouve o coro
Não dos anjos celestes nimbados de luz
Mas dos anjos terrenos famintos e sujos
Fenecendo como flores na lama
Ouve o clamor dos povos esgotados
Ouve o urro dos irmãos convertidos em chacais
E atira-te
Atira-te
Atira-te
a construir sobre o sangue e as lágrimas
certo
sereno
firme
seguro
confiante
como o ferreiro que conhece o poder do martelo
o ritmo da forja
Caminha para a frente!
Não mais o crucifixo,
A morte, o luto, o desespero, a câmara fúnebre,
Não mais a paixão e as trevas, a lança e os cravos,
Mas a ressureição
A vida
O espírito.
A alvorada fremindo em teus olhos
como um pássaro na vertigem do vôo
para que a Terra se eleve
estrela e sol
grito e clarão
sonho e aroma
flor e fruto
relâmpago e trovão
na escala dos mundos.
Essa a tua missão, oleiro esquecido no barro na terra.
Esse o teu dever.
Ergue o planeta nas mãos
Vaso modelado por ti mesmo
Amassado em teu sangue e em tuas lágrimas
Ergue-o nos dedos
Ardente e sonoro
Como um cântaro fresco
Caminha para a frente!
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