Quem somos nós para ousar falar de ética? Longe de nós querer impor concepções pessoais ou reivindicar a exclusividade da verdade. Os ensinamentos dos Espíritos se fazem sobre todos os pontos do globo, e não são privilégio de ninguém. Os médiuns são numerosos, mas ninguém é infalível. "O primeiro controle deve ser, então, o da razão, à qual é preciso submeter, sem exceção, tudo o que vem dos Espíritos.(...) Mas esse controle é incompleto em muitos casos, devido à insuficiência de luzes de certas pessoas, e à tendência de muitos em se aterem ao seu próprio julgamento como único arbítrio da verdade. Em tal caso, que fazem os homens que não têm neles mesmos uma confiança absoluta? Seguem o conselho do maior número, e a opinião da maioria é seu guia." Os médiuns ou os grupos que trabalham isoladamente são por vezes bem inspirados, mas a concordância nos ensinamentos dos Espíritos é o melhor controle. "A única garantia séria do ensinos dos Espíritos está na concordância que existe entre as revelações feitas espontaneamente, por intermédio de um grande número de médiuns estranhos uns aos outros, e em diversos países". (7)
Allan Kardec dizia: "Na nossa posição, recebendo as comunicações de cerca de mil centros espíritas sérios, disseminados sobre diversos pontos do globo, estamos capacitados para ver os princípios sobre os quais esta concordância se estabelece". Hoje, o Movimento Espírita está globalizado. A União Espírita Francesa e dos países de influência francesa já federa uma quinzena de grupos espíritas na França, e participa do Conselho Espírita Internacional.
Examinemos agora as bases da ética. Para fixar as idéias, consideremos algumas práticas correntes: adultério; homossexualidade; sexo livre; uso de vestimentas "ousadas"; aborto; ingestão de álcool ou de outros produtos tóxicos; utilização de bens e serviços públicos para fins pessoais; instituição de sistemas econômicos que levam à deterioração dos programas de saúde, da educação, da alimentação e do trabalho; suspensão voluntária e sistemática do trabalho; calúnia; baixarias; utilização das mídias para veicular a violência ou para promover produtos de valor real duvidoso.
Essas práticas têm sido geralmente condenadas pelas religiões. Hoje, elas são correntes, e por vezes mesmo protegidas por princípio. Encontramo-las na rua, na televisão, nas manifestações, nas canções populares. São por vezes recomendadas como recursos terapêuticos. Aqueles que se opõem são taxados de "ortodoxos", de "moralistas" ou de "quadrados". Seus argumentos são essencialmente negativos, baseados na ausência de justificativa para agir no sentido contrário. Dizem: "Porque?", e não mudam. A sabedoria recomenda portanto: na dúvida, abstenha-se.
As prescrições morais têm existido em todos os tempos e em todas as civilizações. Elas provém na maior parte de sistemas religiosos, recomendadas por um profeta ou "revelador". Fundamentalmente, sua aceitação tem sido então uma questão de crença, de fé. Uma causa do banimento atual dos valores éticos na civilização ocidental é a expansão do materialismo, favorecido, de uma certa maneira, pelas religiões tradicionais que têm misturado símbolos e rituais ao Cristianismo, e o têm fundamentado sobre bases dogmáticas. É verdade, como o diz Léon Denis, que "os dogmas e os padres são necessários, e o serão por muito tempo ainda, às almas jovens e tímidas que penetram a cada dia no círculo da vida terrestre e não podem dirigir-se sozinhas na via do conhecimento, nem analisar suas necessidades e suas sensações" (8). Mas isso não convém mais « aos espíritos livres e maiores » que querem encontrar por si mesmos a solução dos grandes problemas e a fórmula de seu Credo.
Na filosofia ocidental, de característica racional, os argumentos para a emissão de regras morais colidem com a constatação de que "o fato de haver não implica o dever". Não é porque há guerras no mundo que elas devem existir. Nenhum situação de fato pode acarretar proposições do gênero "isso deve ser assim".
Em realidade, as situações de fato servem, quando muito, para a obtenção de conseqüências normativas. Vejamos alguns exemplos simples. A utilização de pneus lisos em um veículo acarreta acidentes graves: é normal se concluir ser necessário substituí-los. Colocando a mão em cima da chama de uma vela, nos queimamos: devemos então ter mais cuidado com o fogo. A exposição direta de objetos de ferro ao ar livre acarreta sua oxidação e degradação: deduz-se disso que para a construção de imóveis, esses materiais devem ser protegidos da ação do ar.
Observemos, nesses exemplos, que certos objetivos estão admitidos implicitamente: a preservação da vida (nos dois primeiros) e a obtenção de construções que não desabem com o tempo (no último). Sem essas hipóteses conexas, é evidente que as inferências feitas não seriam válidas.
Qual é a relação com a ética? As proposições normativas, nos exemplos citados, são fundadas sobre leis empíricas que se seguem à observação dos fatos. Mas para as prescrições morais, as "situações de fato", que poderiam fundamentá-las de maneira análoga, escapam geralmente do domínio factual, e são acima de tudo consideradas como especulações metafísicas. Como então deduzir e reconstituir argumentações do tipo exposto acima? É aí que intervém o Espiritismo.
"As comunicações espíritas têm por resultado nos mostrar o estado futuro da alma, não mais como uma teoria, mas como uma realidade; elas colocam sob nossos olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo; mas mostram-nas, ao mesmo tempo, como conseqüências perfeitamente lógicas da vida terrestre" (9).
O Espiritismo traz ao homem a certeza de que ele é de essência espiritual, e lhe dá informações preciosas sobre a evolução do Espírito. A observação atenta da situação « post mortem » e das condições da reencarnação demonstra a existência de uma lei natural, assegurando o desenvolvimento harmonioso dos seres: a Lei de Causa e Efeito.
Esta lei fixa as conseqüências futuras das ações presentes do homem e seu conhecimento, naturalmente, lhe traz um melhor discernimento na utilização de seu livre arbítrio em função de seus objetivos.
Ele saberá, por exemplo, que um homicídio acarreta "lesões" no corpo espiritual (ou perispírito) do executante, que acarretarão, em uma encarnação futura, malformações ou doenças, e um estado de aflição durante sua permanência no mundo espiritual. Ele saberá também que a ligação das trompas, a vasectomia e a homosexualidade, interferem na circulação normal das forças sexuais do perispírito; a conseqüente ruptura da harmonia dos centros de controle dessas forças se manifestará mais tarde sob a forma de disfunções hormonais complexas, de perturbações variadas dos órgãos sexuais e outras complicações.
No livro "O Céu e o Inferno", segunda parte, Allan Kardec dá numerosos exemplos, baseados em testemunhos de espíritos em diversas condições após a morte, entre a felicidade e os sofrimentos extremos. Esses testemunhos são obtidos correntemente em todos os centros espíritas que realizam um trabalho cristão de assistência aos Espíritos em dificuldades.
Allan Kardec resume assim o estado do Espírito no momento da morte: "O Espírito sofre tanto mais quanto o desligamento do perispírito for mais lento; a presteza do desligamento está em razão do grau de adiantamento moral do Espírito; para o Espírito desmaterializado, cuja consciência está pura, a morte é um sono de alguns instantes, isento de todo sofrimento, e cujo despertar é pleno de suavidade."
Entre os Espíritos felizes, citamos a comunicação de M. Jobard:
"Quero inicialmente relatar minhas impressões no momento da separação de minha alma; senti um abalo inaudito, lembrei-me imediatamente de meu nascimento, da minha juventude, da minha idade madura; toda minha vida foi retraçada nitidamente em minha memória. Não experimentava senão um piedoso desejo de me encontrar nas regiões reveladas por nossa querida crença; depois, todo esse tumulto se apaziguou. Estava livre e meu corpo jazia inerte. Ah! meus queridos amigos, que exaltação ao despojar-se o pensador de seu corpo! que entusiasmo poder abraçar o espaço! Não creiam entretanto que me tornei imediatamente um eleito do Senhor; não, estou entre os Espíritos que, tendo retido pouco, devem ainda aprender muito. Não demorei a me lembrar de vocês, meus irmãos em exílio, e asseguro-lhes: toda minha simpatia, todos os meus votos os têm envolvido".
Entre os Espíritos sofredores, citamos a comunicação de Novel:
"Vou contar o que sofri quando morri. Meu Espírito, retido em meu corpo por laços materiais, passou por uma grande dor ao se desligar, o que foi uma primeira e rude angústia. A vida que havia deixado aos vinte e quatro anos estava ainda tão forte em mim que não acreditava na sua perda. Procurava meu corpo, e estava pasmo e amedrontado em me ver perdido no meio desta multidão de sombras. Enfim a consciência de meu estado, e a revelação das faltas que havia cometido em todas as minhas encarnações, me atingiam com um golpe; uma luz implacável esclarecia os mais secretos recantos de minha alma, que se sentia nua, como saída de uma pesada humilhação. Procurava disso escapar interessando-me pelos novos e entretanto conhecidos objetos, que me envolviam; os Espíritos radiosos, flutuando no éter, me davam a idéia de uma felicidade à qual não podia aspirar; formas sombrias e desoladas, umas mergulhadas em morno desespero, as outras irônicas ou furiosas, resvalavam em torno de mim e sobre a terra à qual eu permanecia ligado. Via se agitarem os humanos de quem invejava a ignorância; toda uma ordem de sensações desconhecidas ou reencontradas, me invadiam por sua vez. Arrastado como por uma força irresistível, procurando escapar desta dor irritante, transpunha as distâncias, os elementos, os obstáculos materiais, sem que as belezas da natureza, nem os esplendores celestes pudessem acalmar por um instante o dilaceramento de minha consciência, nem o pavor que me causava a revelação da eternidade. Um mortal pode pressentir as torturas materiais pelas calafrios da carne, mas suas frágeis dores, adocicadas pela esperança, temperadas pelas distrações, arruinadas pelo esquecimento, não poderão jamais fazê-los compreender as angústias de uma alma que sofre sem trégua, sem esperança, sem arrependimento. Passei um tempo, do qual não posso apreciar a duração, invejando os eleitos cujo esplendor entrevia, detestando os maus Espíritos que me perseguiam com suas zombarias, menosprezando os humanos de quem via as torpezas, passando de um profundo abatimento a uma revolta insensata".
"Enfim, você me chamou, e pela primeira vez um sentimento doce e terno me apaziguou; escutei os ensinamentos que os seus guias lhe dão; a verdade me penetrou, e orei: Deus me ouviu; e se revelou à mim em sua clemência, como tinha se revelado por sua justiça".
Por fim, citamos a comunicação de um suicida, que ilustra a situação terrível na qual eles se encontram após seu ato infeliz:
"Tenham piedade de um pobre miserável que sofre há tanto tempo de tantas torturas cruéis! Oh! a vida... o espaço... eu caio, eu caio, socorro! ... Meu Deus, tenho uma vida tão miserável! ... Sou um pobre diabo; sofria freqüente de fome nos meus velhos dias; é por isso que comecei a beber e que tinha vergonha e desgosto por tudo... Queria morrer e me lancei... Oh! meu Deus, que momento! ... Por que desejar tudo acabar quando já estava tão perto do termo? Orem! para que não viva para sempre esse vazio dentro de mim... Queria me quebrar nessas pedras! ... Eu os conjuro, voces que têm conhecimento das misérias daqueles que não estão mais aqui em baixo, me dirijo a vocês, ainda que não me conheçam, por que sofro muito..."
Pelas milhares de comunicações desse gênero, o Espiritismo pode então determinar as ações que são nefastas para o homem, que estão em conflito com a evolução harmoniosa do Espírito, a única capaz de lhe trazer a paz e a felicidade duradoura. Isto dá às normas éticas um fundamento racional, como vimos acima nas normas concernentes às ações limitadas do plano material.
As prescrições morais confirmadas pelo Espiritismo não têm nenhum caráter dogmático. Trata-se de escolher o que melhor nos convém, não há aí nenhuma interdição. Nada impede o indivíduo de continuar a agir em desacordo com essas prescrições. Aliás, as noções do bem e do mal evoluem em paralelo com o entendimento do homem. Se um indivíduo causa um dano, sua responsabilidade existirá em razão de sua consciência e de seu conhecimento antecipado das conseqüências de seus atos.
O Espiritismo permite também discernir entre as normas que são realmente confirmadas pelos fatos daquelas criadas pela imaginação, os preconceitos, as superstições, ao longo dos séculos, geralmente ligados a atos exteriores, que o simples bom senso basta freqüentemente para desmascarar.
Promovendo esta pesquisa da ética e desembaraçando-a de tudo o que é supérfluo, inútil ou sem fundamento, o Espiritismo lhe presta um serviço inestimável. Totalmente imunizado pela investidura da análise racional, obsequia a aceitação por todos os que se disponham a um exame sério e sem idéias preconcebidas da argumentação lógica e da fenomenologia espírita.
"A doutrina espírita, no que concerne às penas futuras como em seus outros temas, não está fundada sobre uma teoria preconcebida; não é um sistema substituindo outro sistema: em tudo se apóia em observações, e é isto que lhe dá sua autoridade. Então, de forma alguma se tem imaginado que as almas, após a morte, devem se encontrar em tal ou qual situação; são os seres mesmos que deixaram a terra que vêm hoje nos iniciar nos mistérios da vida futura, descrever sua posição feliz ou infeliz, suas impressões e sua transformação na morte do corpo; em uma palavra, completar sobre esse ponto os ensinamentos do Cristo" (10).
A ética espírita coincide então com a ética cristã, tal qual foi ensinada e praticada por Jesus, e com aquela ditada pela consciência isenta de prejulgamentos e interesses. "A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: Agir para com os outros como quereríamos que os outros agissem para conosco; quer dizer, fazer o bem e nunca fazer o mal. O homem encontra neste princípio a regra universal de conduta para suas mínimas ações" (11).
À questão 625 do "Livro dos Espíritos": "Qual é o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem para lhe servir de guia e modelo?", os Espíritos responderam: "Jesus".
O Espiritismo oferece uma visão global que permite compreender as razões da convergência de três vertentes independentes - a racional espírita, a cristã e a da consciência - para um mesmo conjunto de normas morais, que se resume no respeito e no amor ao próximo.
Cada uma se baseia, em última instância, na penetração nas próprias estruturas do Universo, reguladoras da harmonia que aí reina.
O Espiritismo atinge este objetivo pela observação científica dos fenômenos naturais, aliada aos métodos de análise racional. A consciência do ser humano é o dispositivo natural que lhe permite "concordar" com o plano geral do Universo, e evoluir de modo ordenado.
Jesus, espírito puro e inteligente, com os sentimentos e a intuição desenvovidos a um grau que não podemos assimilar, não está certamente limitado aos meios de que dispomos para penetrar as leis do Universo. Utilisou outros meios que escapam completamente aos nossos limites conceituais.
Sublinhamos que a coerência não se prende à ética cristã, mas se extende igualmente às bases fundamentais de outras religiões. "Não há para o homem de estudo nenhum antigo sistema filosófico, nenhuma tradição, nenhuma religião a ser negligenciada, porque todos encerram os germes de grandes verdades que, se bem pareçam contraditórias umas às outras, esparsas que estão em meio a acessórios sem fundamento, são muito fáceis de coordenar, graças à chave que nos dá o espiritismo para uma multidão de coisas que têm podido, até aqui, nos parecer sem razão e das quais a realidade nos é demonstrada hoje de maneira irrecusável" (12).
"A conseqüência do espiritismo é tornar os homens melhores, e portanto mais felizes, pela prática da mais pura moral evangélica" (13). A verdade espírita então não se reconhece unicamente pelo conhecimento racional da doutrina espírita. A certeza positiva sobre o porvir, decorrendo de fenômenos que atingem seus sentidos, faz que se comportem conforme a ética e a moral ensinada por Cristo. Sua máxima é aquela de Allan Kardec: « Fora da caridade, não há salvação! », porque sabe que seu interesse pessoal não será servir senão em função de seu ardor pelo interesse coletivo. Não tem absolutamente nenhum propósito lucrativo, nenhuma ambição de poder ou de posição a não ser esta, de progredir na sua evolução e de fazer progredir o seu próximo.
A rejeição sem provas ou a recusa de examinar racionalmente o mundo espiritual apresentam o inconveniente de deixar o campo livre aos abusos de todo gênero, geralmente de ordem financeira, e algumas vezes mesmo dramáticos, explorando a credulidade das pessoas. O Espiritismo traz os elementos lógicos que permitem refutar esses abusos de maneira formal, oferecendo a todos respostas claras e consoladoras à maioria das questões existenciais, tão freqüentes na origem do desespero humano.
O Espiritismo não faz nenhum proselitismo, e não pretende deter a exclusividade da Verdade. Allan Kardec pergunta humildemente: "Qual é o homem que pode se gabar de a possuir inteiramente, quando o círculo dos conhecimentos cresce sem cessar, e as idéias se retificam a cada dia?" (14).
O Espiritismo proclama a liberdade de consciência, o direito de livre exame em matéria de fé. Recebe os que vêem voluntariamente à ele, e não procura desviar ninguém de suas crenças ou de sua religião. A crença de uma pessoa importa pouco, desde o momento em que ela trabalhe para o bem de seu próximo. O Espiritismo se dirige àquele que, estando perdido ou não estando satisfeito com o que se lhe tem sido dado, procura alguma coisa de melhor. Não diz: "Creia primeiro, e compreenderá em seguida se você puder", mas "Compreenda primeiro, e creia em seguida se você assim o quiser".
Encorajamos as pessoas, desejosas de se esclarecerem, a ler e meditar, não mais que as trinta páginas da introdução do Livro dos Espíritos, que lhes confirmarão que o objetivo essencial do Espiritismo não é senão o de procurar o que pode ajudar ao progresso moral e intelectual dos homens.
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