Carlos de Brito Imbassahy
Niterói (RJ)
Eu havia sido convidado pela Sala Filosofia Espírita do antigo programa TiVejo para fazer um estudo a respeito do livro "A Gênese" de A. Kardec porque fizera um estudo a respeito desta obra para análise perante as novas descobertas astrofísicas.
Cabe-me esclarecer que eu nunca tinha tomado conhecimento das traduções do senhor Guillon Ribeiro referente às obras de Kardec feitas para a Federação Espírita Brasileira, motivo pelo qual eu ignorava o que iria ocorrer.
Segundo dr. Canuto Abreu, as edições francesas mais fiéis a Kardec são as de 1868, ou seja, publicadas no ano anterior a seu desencarne porque teriam sido as últimas revistas pelo mestre.
Dessa maneira, herdando de meu pai, sempre usei a 3ª edição deste livro (A Gênese), impressa pela Librarie Internationale - 15, Boulevard Montmatre da A. Lacroix Éditeurs - Paris - 1868.
Assim, quando fui analisar o ponto que estava sendo estudado, como não dispunha de nenhuma tradução, apelei para a publicação francesa e comecei a ler o item que deveria ser estudado só que ele não coincidia com o que o Sr. Guillon Ribeiro havia traduzido à sua moda, evidentemente.
Todo mundo protestou, alegando que eu é que não estava usando o texto certo. Fiz a conferência, checamos os itens e confirmei que estava lendo rigorosamente o item em estudo. Quando expliquei, todavia, que usava o original francês, todos ficaram pasmos e, com vagar, começamos a verificar que a tradução do Sr. Guillon Ribeiro era uma farsa, porque, naquele capítulo, ele, justamente, eliminava aqueles itens inconvenientes a respeito dos anjos decaídos porque contrariavam a exposição de Roustaing em sua obra.
Já dizem os italianos : "tradutore, traditore", evidentemente, julgando que todo tradutor dá de si muita coisa quanto verte qualquer texto de outro idioma para o seu, mas, fazer o que o Sr. Guillon Ribeiro fez, é um crime, pois, ele, simplesmente mutilou, adulterando a obra escrita pelo codificador a fim de que os textos contrários ao docetismo adotado pela sua editora não fossem feridos pelo pensamento da obra no original.
É de pasmar o cinismo com que isto ocorre e que, até a presente data, ninguém tenha protestado.
Da minha parte, confesso que, até aquela data, eu ignorava que a FEB tivesse editado um livro falsificando o pensamento de Kardec a tal ponto que modificava a obra em questão.
Foi quando, em companhia com o coordenador da sala, ora transferida para o PalTalk, fizemos uma comparação tácita entre a tradução do Sr. Guillon Ribeiro e o original francês que ali estava, descobrindo que os cortes, mutilações e modificações da obra não se resumiam a aqueles textos, mas, a uma porção de outros que também supressos, ou modificados, adulteravam a obra original, impingindo aos leitores brasileiros uma idéia errônea do que, realmente Kardec escrevera.
Bem!
O que me pasma é que, até a presente data ninguém tenha denunciado tal farsa.
Não tem cabimento adulterar os conceitos de Kardec para torná-los adaptáveis à obra de Roustaing. Há que se ter a hombridade de declarar, caso seja este pensamento, que discorda do que Kardec tenha escrito, afinal, ele não é infalível - só o Papa, assim mesmo para os católicos - pois cada qual tem o direito de possuir opinião própria.
Mas, Espiritismo é Kardec - doa a quem doer -, ou seja, o que ele tenha codificado, não só transcrevendo as respostas selecionadas dos Espíritos como ainda a interpretação que ele próprio deu na grande maioria do que escrevera.
Errado ou certo, Espiritismo é Kardec e disso não se pode fugir. Não, mudemos, pois, a Codificação.
nota do NEPT: Aqui vai o nosso alerta, para o cuidado com TODAS as obras espíritas. TODAS. De nossa parte, sempre preferimos as traduções de José Herculano Pires, íntegro Soldado de Kardec.
Um comentário:
Querido irmão Carlos,
Sou Espírita de berço e pesquisadora dos Estudos da tradução. Acho sempre válido o questionamento de tudo na vida, inclusive daquilo que é tido como verdade. Como bom Espírita você se questionou e chegou as conclusões que achou pertinente. Entretanto, seria interessante que lesse sobre tradução de fontes e teóricos sérios.
De forma simplificada, os Estudos da Tradução pós-modernos nos esclarecem que a língua não é um conjunto de signos fechado e intocável, pelo contrário, ela é ativa e é diretamente afetada pelo tempo e pela cultura.
Esses estudos ainda nos esclarecem que os conceitos de "originalidade" "fidelidade" são irreais, já que a tradução não é um "tira da li e põe aqui", pelo contrário, o tradutor faz leituras do texto- fonte e assim escreve um novo texto, já que os significados não estão nas palavras, mas no discurso como um todo.
Se eu disser apenas a palavra "manga", por exemplo, você pode pensar em duas coisas a parte da roupa e a fruta, agora se eu incluir a palavra em um discurso você com certeza saberá de qual "manga" estou me referindo.
Outro ponto a ser considerado é que cada Língua possui uma particularidade, uma forma de se expressar ... um exemplo simples é a comparação entre a língua portuguesa de Portugal e a do Brasil. A língua é a mesma, mas com inúmeras diferenças devido a cultura, tempo de vida do país, economia, geografia....
No caso das traduções das obras básicas temos que considerar que
a Língua Portuguesa e a Língua Francesa são muito diferentes. E que a chamada "tradução literal" ou "tradução fiel ao autor" com o sentido de palavra por palavra é irreal, por todos os motivos listados acima.
A beleza da tradução está na capacidade de dizer o mesmo a outros de maneira compreensível aos leitores. Por isso o tradutor não é traidor, ele é um artista das letras que com um trabalho árduo garante a sobrevida da obra, assim como afirma Derrida.
Um último adendo é a respeito da autoridade moral dos tradutores das obras básicas, tanto Herculano como Guillon foram exemplos de vivência e de conhecimento espírita.
Sempre lembrando "Tradução não é cópia é reescrita".
Abraços fraternos.
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