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"Não permita que aquilo que você chama de amor se transforme em obsessão.
Amor é liberdade.
Amor é vida.
Jamais prisão ou limitação."
Militão Pacheco
sábado, 2 de junho de 2012
Paixão: o que é?
A definição de paixão encontrada nos dicionários pode nos ajudar a compreender, antecipadamente, o que desejam expressar os espíritos e Kardec quando se utilizam deste termo. Segundo o Aurélio paixão é um: “Sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão; Amor ardente; Inclinação afetiva e sensual intensa; Entusiasmo muito vivo por alguma coisa; Atividade, hábito ou vício dominador”.
Lendo um pequeno trecho das páginas iniciais de O Livro dos Espíritos (Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita), encontramos Kardec a expressar-se nestes termos (p. 25):
O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que vence esta influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos, em cuja companhia um dia estará. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões, e põe todas as suas alegrias na satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos impuros, dando preponderância à sua natureza animal. (grifo nosso)
Na mesma Introdução, quando trata da escala, das classes em que podemos situar os espíritos em sua trajetória evolutiva, o codificador afirma (p. 24):
Os [espíritos] das outras classes se acham cada vez mais distanciados dessa perfeição, mostrando-se os das categorias inferiores, na sua maioria eivados das nossas paixões: o ódio, a inveja, o ciúme, o orgulho, etc. Comprazem-se no mal.
Cabe-nos agora, destacar que o egoísmo e o orgulho compõem o que Kardec designa como sendo as paixões. O que podemos confirmar quando lemos mais adiante, ainda na Introdução (p. 27):
Ensinam-nos que o egoísmo, o orgulho, a sensualidade são paixões que nos aproximam da natureza animal, prendendo-nos à matéria; que o homem que, já neste mundo, se desliga da matéria, desprezando as futilidades mundanas e amando o próximo, se avizinha da natureza espiritual.
No capítulo em que trata da escala espírita, Kardec ao situar os Espíritos imperfeitos na terceira ordem, traça como seus caracteres gerais (p. 89): “Predominância da matéria sobre o Espírito. Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as paixões que lhes são conseqüentes.”
Será necessário darmos agora um salto e nos localizarmos na parte terceira de O Livro dos Espíritos (Das Leis Morais), no capítulo XII, Da perfeição moral, no item denominado justamente Paixões. Abrangendo seis questões (907 a 912), Kardec faz um estudo breve, porém aprofundado deste tema, no diálogo que trava com os espíritos superiores que colaboram com a Codificação.
Em resumo eis o que apreendemos:
As paixões são constitutivas, fazendo parte do que podemos denominar de natureza humana. O seu princípio não é originariamente mau, pois “o princípio que lhe dá origem foi posto no homem para o bem”. São os acréscimos nossos, da vontade humana, os excessos, pois o “abuso que delas se faz é que causa o mal”. (questão 907)
Como já comentado por Kardec em linhas atrás, certas paixões “nos aproximam da natureza animal”; desligando-se, porém, o homem da matéria e suas atrações, por meio da ação de amor ao próximo, ele se aproxima “já neste mundo” de sua natureza espiritual.
Podemos inferir, pois, que as paixões, este “entusiasmo muito vivo por alguma coisa” ou este “sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade” na definição do Aurélio, transita na visão espírita da natureza animal à natureza espiritual.
Do instinto de conservação que nos impele a buscar tudo para nós mesmos, no desejo de preservarmos nossa vida a qualquer custo, em detrimento da vida alheia (quando próximos da natureza animal, nos primórdios das experiências humanas) transitamos para um outro extremo, que é a abnegação, que também na definição do Aurélio significa “renunciar a; sacrificar-se, mortificar-se, em benefício de Deus, do próximo, de si mesmo”.
Não à toa, o próprio sacrifício de Jesus, mormente na tradição católica (a morte na cruz) é denominado de Paixão (o próprio Aurélio indica o uso da maiúscula para assim o designar).
O governo da paixão é o que determina o limite em que se situa a fronteira entre o bem e o mal. A paixão se torna um perigo quando perdemos o domínio sobre ela e causamos males aos outros ou a nós mesmos. Como alavanca que pode decuplicar nossas forças, se mal acionada e direcionada pode voltar-se contra nós e nos esmagar. (questão 908)
Na resposta dos espíritos a Kardec é ainda dito que as paixões se assemelham a um corcel , um cavalo veloz, “que só tem utilidade quando governado e que se torna perigoso desde que passe a governar”. A própria sabedoria popular nos ensina que a vaidade, ou o egoísmo ou o orgulho não causam mal desde que em doses adequadas. Frases como “um pouco de vaidade faz bem à pessoa” e outras do gênero (quando ditas com sinceridade) correspondem exatamente ao que os espíritos em outras palavras referem-se ao domínio das paixões.
É dito também que as paixões, além de ampliar as forças humanas, “auxiliam na execução dos desígnios da Providência”.
A paixão, como define o Aurélio, é também um ”entusiasmo muito vivo” e o termo entusiasmo corresponde a “exaltação ou arrebatamento extraordinário daqueles que estavam sob inspiração divina”, também significando “dedicação ardente, ardor”. Logo, o homem quando se torna entusiasmado, no sentido mais elevado do termo, pode auxiliar nas tarefas que a Providência Divina lhe designa e de que o homem é instrumento.
O princípio das paixões tem por fundamento um “sentimento” ou uma “necessidade natural”; logo, as paixões não podem ser concebidas como um mal em si, pois elas são “uma das condições providenciais da nossa existência”; o excesso na utilização desta ferramenta é que causa o mal; as paixões que o aproximam da natureza animal o afastam da natureza espiritual; haverá, por outro lado, “predominância do espírito sobre a matéria” quando os homens utilizarem as paixões como instrumento a serviço dos bons sentimentos, o que os conduzirá mais rapidamente à perfeição que nos cabe atingir. (questão 908)
Os esforços, as tentativas para se atingir uma meta, podem conduzir o homem a “vencer as suas más inclinações”. Porém, o homem não costuma exercitar-se neste sentido, o que lhe exigiria, em verdade, “esforços muito insignificantes”. (questão 909)
Kardec e os espíritos relacionam nesta questão a má utilização das paixões e as más inclinações, tendências, tornando-as sinônimas. Os espíritos então nos afirmaria, de outra forma, que o governo, o domínio que pode se pode ter sobre as paixões não exige, comumente, grandes esforços, mas apenas dedicação, persistência.
O homem pode contar com os bons espíritos, cuja missão é auxiliá-los, caso deseje vencer suas más paixões ou inclinações. (questão 910)
Há uma inscrição no pórtico de Delfos, na Grécia, dizendo que “invocado ou não ele estará sempre presente”; a divindade ou Deus sempre está presente em nossas vidas, mesmo que não solicitemos...
O mesmo ocorre com os bons espíritos, que nos assiste, nos auxiliando sempre. A despeito de nossa rebeldia e, às vezes, do nosso mergulho deliberado no mal, eles esperam pacientemente uma oportunidade para nos reerguer, colocando-nos em condições de retomar a caminhada no rumo do Bem.
Se invocados (e invocar é solicitar ajuda ou intercessão de alguém) ou se evocados (evocar é chamar a si, reclamar a presença de alguém) os espíritos amigos haverão de nos auxiliar a vencer nossas más paixões ou más tendências, inclinações.
A vontade pode sempre triunfar sobre as más paixões, dominando-as. Os homens, no entanto, que se comprazem com o mal, que lhes proporciona prazer, pela afinidade com tudo o que se aproxima dessa sua transitória, mas obstinada natureza animal, são aqueles cuja “vontade só lhes está nos lábios”.
Aqueles que compreendem “a sua natureza espiritual” lutam por reprimir as próprias más tendências. “Vencê-las é, para eles, uma vitória do Espírito sobre a matéria.” (questão 911)
É mais fácil, cômodo enganar-se, iludir-se do que se enfrentar nas lutas sem quartel que se tem que travar para a vitória sobre si mesmo, contra o mal existente dentro de nós mesmos.
A alavanca férrea da vontade, que nos pode ajudar a remover todos os obstáculos do caminho, precisa ser forjada todos os dias, retemperada pela oração e pela vigilância.
É necessário, portanto, estarmos atentos e em comunhão com o Alto, para não nos amolentarmos, pois é comum nos deixarmos arrastar pelos cantos de sereia da preguiça, da acomodação e dos prazeres que a isto conduz ou implica.
Por fim, o antídoto recomendado pelos espíritos no combate que se deve travar para vencer-se o “predomínio da natureza corpórea” é a prática da abnegação. (questão 912)
A própria definição do que é abnegação indica o que nos cabe fazer: “renunciar a; sacrificar-se, mortificar-se, em benefício de Deus, do próximo, de si mesmo”.
Os verbos de que o dicionarista se utiliza para definir abnegação nos sugere dois tipos de atitude: a ativa e a passiva. Renunciar a alguma coisa é, aparentemente, uma atitude passiva, de deixar-se, abandonar-se, apagar-se ou até de fugir de alguma situação.
No entanto, ninguém pode renunciar às coisas do mundo em favor de algo ou alguém sem que mobilize as forças do pensamento e do coração, com “dedicação ardente, ardor” próprio de quem mobiliza o entusiasmo naquilo em que se empenha. A abnegação é, enfim, um sentimento de renúncia, de sacrifício, de anulação do ego para a vivência ativa do amor ao próximo.
Bem, depois de termos examinado as questões 907 a 912, sobre as paixões, cabe-nos indicar que as questões que se seguirão trata do egoísmo. Da questão 913 a 917 Kardec e os espíritos dialogam sobre esta “verdadeira chaga da sociedade”. Às más paixões ou más inclinações Kardec designará agora como vícios como se vê na questão 913: “Dentre os vícios, qual o que se pode considerar radical?”
A resposta é naturalmente o egoísmo, que está na raiz de todos os males (daí o adjetivo radical utilizado na pergunta). E continuam os espíritos “Por mais que lhes deis combate, não chegareis a extirpá-los, enquanto não atacardes o mal pela raiz, enquanto não lhe houverdes destruído a causa. Tendam, pois, todos os esforços para esse efeito...” (grifos nossos)
E ao final da resposta os espíritos são claros:
Quem quiser, desde esta vida, ir aproximando-se da perfeição moral, deve expurgar o seu coração de todo sentimento de egoísmo, visto ser o egoísmo incompatível com a justiça, o amor e a caridade. Ele neutraliza todas as outras qualidades.
A idéia de que o egoísmo e o orgulho possam ser situados como causa de todos os males humanos pode causar mal estar a muitos que se propõe a examinar estas questões. Os espíritos e Kardec, de modo simples e coerente, são muito felizes em situar no campo das causas últimas, o papel das paixões ou dos sentimentos do egoísmo, do orgulho e outros assemelhados.
Tudo o mais estaria no campo dos efeitos. (que podem se tornar causa de outros efeitos). A miséria sócio-econômica, por exemplo, pode ter sua origem na extrema concentração de renda em determinado país ou região. Na visão espírita, sem desprezar as análises sociológicas, econômicas ou quaisquer outras, a causa deste fenômeno está no egoísmo e no orgulho dos homens, em última instância.
A extrema concentração de renda, alegada como causa, na verdade seria um efeito da causa primordial que são as más paixões.
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Um comentário:
a luta para boa utilização das paixões é tão antiga, que Thomas Hobbes quando escreveu o Leviatã imaginava nele um mecanismo de controle social sobre o ser humano desagregado, que fora da sociedade viveria à mercê do egoísmo e da individualidade. O Estado seria então o fator controlador que evitaria através de suas leis e regras / obrigações que o Homem fosse lobo do Homem.
A religião nesse sentido nos informa normas e coloca também direitos e obrigações para nos depurarmos e transformarmos as paixões negativas em positivas.
Ao final podemos ter que a religião é o nosso Leviatã para conduta ao bem.
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