Mensagem

"Não permita que aquilo que você chama de amor se transforme em obsessão.
Amor é liberdade.
Amor é vida.
Jamais prisão ou limitação."

Militão Pacheco

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A disciplina das pequenas coisas.​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​

Quando Carla chegou à porta, o Sr. Manolo não teve dúvidas:

- A senhorinha não pode mais entrar! Sinto muito, dona Carla!

- Mas "seu" Maneco, eu peguei um baita trânsito! Corri tanto prá chegar aqui, por favor!

- Sinto muito, dona Carla, mas o "seu" Geraldo foi bem claro ontem: "passou de cinco minutos ninguém mais entra na sessão"! A senhorinha já passou dos dez minutos, então...!

Nesse momento, Carla percebeu que não iria adiantar discutir: baixou a cabeça e foi para o corredor. Lá ela encontra com a Jandira, que, de imediato, perguntou:

- E aí, Carla, não de tempo de entrar na sessão?

- Como? Seu Maneco não deixa entrar! Disse que o Geraldo não permite mais que quem chegue atrasado entre na sessão! Caramba! A gente tá em São Paulo, menina! Como cobrar que se chegue sempre na hora certinha?! Assim, vai ter a maior evasão de trabalhadores e muita gente vai acabar desistindo, você vair ver só! - disse Carla em tom profético.

- É, mas o Maneco tem razão! Eu ouvi mesmo o Geraldo falando ontem sobre este assunto. Ele foi bem claro, sabe? Eu só não tinha me dado conta de que já passaram quinze minutos das sete horas, aí não vai dar mesmo para ninguém entrar!

- Mas eu cheguei já tem uns sete minutos, Jandira!

- Mas Carla, o pessoal tem abusado bastante, você não acha? No começo, todo mundo entrava na ponta do pé, abria a porta devagarinho, entrava com cuidado. Ultimamente, o povo vai entrando que nem adolescente no quarto, quer dizer, abre a porta com tudo, escancara a porta, deixa entrar a luz e o barulho da sala de espera e praticamente bate a porta ao fechar. Isso atrapalha muito o andamento do trabalho. O médium precisa de silêncio e uma certa penumbra para se concentrar, você sabe disso!

- Mas eu sempre entro com muito cuidado, Jandira! Eu não faço escândalo prá entrar. Sou muito cuidadosa!

- Acontece que ele não pode aplicar esta regra para uns e não aplicar para outros, senão todo mundo vai se sentir no direito de entrar do mesmo jeito e a indisciplina vai continuar!

- Ah! Sei lá! Eu vou embora, sabe? Acho que é melhor...

- Mas Carla, você mora longe prá caramba! Não é melhor você ficar tomar o passe e assistir um estudo? Assim você aproveita o tempo positivamente, quase do mesmo modo!

- Acontece que eu corri tanto, tentando chegar para a sessão, prá nada? Na verdade, parece que ele não quer que a gente fique nas sessões... - falou com tom de voz amarga.

- Minha amiga, não é nada disso! O Geraldo só quer fazer as coisas funcionarem direito! Ele está pensando no respeito que a gente deve ter para com o trabalho dos Espíritos. Você sabia que eles preparam a sala de sessão desde o período da manhã? Sabia que é tudo higienizado, limpo, que os Espíritos necessitados são trazidos, às vezes na véspera, preparados para ouvir, para participar e aproveitar, nem que seja um pouco do trabalho? E a nossa parte, como fica? Não temos de fazer o melhor, o mais certo possível? Claro que temos! A gente também precisa de disciplina, ora! E pode ter certeza de que não é nada pessoal por parte do Geraldo. Ele faz isso pensando no trabalho e não nos trabalhadores, quer dizer, não é que não pense na gente, pensa sim, mas quando pensa no trabalho, ele faz o possível para que isso beneficie a nós mesmos, afinal, sem regras, sem ordem, nada funciona direito, não é verdade?

- Pôxa! Você virou advogada dele? Tá defendendo bem, não? - Carla tinha, nesse momento, uma pontinha de malícia para com Jandira, afinal, por quê tanta questão em defendê-lo?

- Nada disso! Eu estudo, eu leio e estou defendendo o trabalho, assim como ele. Não pense bobagem, Carla. Não tenho qualquer motivo para defendê-lo em pessoa, mas penso como ele e quero que o trabalho ande bem, afinal de contas, eu gosto tanto daqui, me sinto tão bem nesta Casa Espírita, por qual razão não iria me esforçar para que tudo aqui corresse bem? Então não sou advogada do Geraldo, mas da Casa. Sou relativamente nova aqui, mas como me sinto em casa, eu defendo mesmo! - Jandira não tinha qualquer preocupação em se defender da malícia de Carla, mas queria deixar claro a postura dela diante da colega.

- Ô Jandira! - falou Carla em interjeição sem qualquer afetação - Eu gostei de uma coisa que você disse! - Seu tom de voz agora era mais amistoso, deixando de lado o equívoco anterior para colocar-se em posição mais madura que a anterior e querendo ao mesmo tempo corrigir-se - "O quê você está lendo tanto?"

- Aí você entrou em um assunto mais proveitoso, Carla. Eu acabei de ler o livro Desobsessão, do André Luiz. É ótimo e poucas pessoas procuram-no para ler, ou por que acham que é cansativo ou por desconhecimento mesmo! Ele não é muito divulgado entre os espíritas de um modo geral, mas é um grande livro que dá diretrizes fundamentais para o trabalho mediúnico prático, que toda Casa Espírita deveria ter. Claro que certas circunstâncias citadas nele precisam de adaptação para a época atual, pois ele já foi escrito faz tempo, mas que ele é bom, eu não tenho a mínima dúvida!


- Quem sugeriu que você o lêsse?

- A dona Minerva, da livraria! Eu estava procurando algo prá ler e ela ficou do meu lado. Perguntou o que eu estava interessada e acabou me sugerindo este livro que eu gostei muito. Já li muitos romances. Gosto muito das obras da Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, aquela médium que psicografou o "Violetas na Janela", sabe qual?

- Sei sim, eu já li. Gostei, mas achei impossível que tudo aquilo seja de verdade. Tenho a impressão que o pessoal "viaja" um pouco, sabe?

- É, mas não viaja não! Aquilo tudo é de verdade, Carla, pode ter certeza!

- Como você pode ter tanta certeza?

- Ah, vem do fundo do coração! Eu sinto, eu pressinto, não tenho a mínima dúvida de que tudo o que ela conta não é conto de fadas, que é autêntico, que é verdadeiro! Além do mais, Kardec colocou, na Codificação, nas Obras Básicas, que tudo aquilo é possível, portanto, como não vi qualquer contradição na proposta dele, não tenho por qual motivo desconfiar!

- Vai me dizer que você já leu tudo de Kardec! - o olhar de descrédito era evidente por conta de Carla.

- Já li, sim! Mas só uma vez. Ainda não deu tempo de ler estudando, mesmo, sabe como? Ler para pensar, para refletir de verdade. Li, mas ainda quero estudar prá valer, pois vejo nesta Doutrina a diretriz que irá me orientar pelo resto da Vida e depois dela também!

- Mas você estava falando do livro do André Luiz...

- É verdade! Então, o livro descreve como deveria ser feita uma sessão de desobsessão. Conta prá gente como a gente deve se portar desde o início do dia, com relação à alimentação, pensamentos, horários, disciplina, enfim tudo. É muito bom! Embora não se possa aplicar tudo o que está ali, pois os tempos já são outros, quer dizer, tudo é corrido, ainda assim é muito bom! É só fazer algumas pequenas adaptações que tudo se encaixa para as nossas necessidades em um trabalho mediúnico para o socorro às Entidades desencarnadas necessitadas, como nós, diga-se...

- Você acha que eu entenderia a linguagem do André Luiz? Acho que ele e o Emmanuel escrevem tão rebuscado, tem umas palavras difíceis no meio do texto!

- Olha, eu ainda não li nenhuma obra do Emmanuel, afinal, como te disse, eu comecei no Espiritismo faz pouco tempo, dois anos mais ou menos, então, eu não sei dele, mas o André Luiz não é assim tão complexo e esse livro é muito fácil de ler. Tem capítulos pequenos, linguagem clara e objetiva, algumas fotos que demonstram o que ele cita no texto, enfim, eu acho este livro muito bom para quem quer aprender sobre sessões de tratamento espiritual. Eu acho que você vai entender e gostar dele como eu gostei.

No corredor já estavam se acumulando as pessoas que iriam passar pelo tratamento espiritual e Jandira fez um sinal para Carla, no sentido de que se afastassem um pouco do aglomerado de pessoas.

- É melhor a gente se afastar um pouco, afinal de contas, todos ali estão se preparando para um tratamento espiritual, portanto necessitam de um ambiente apropriado para isso. Eu me lembro de um Centro Espírita no qual eu fui umas duas vezes e que o local onde as pessoas aguardavam pelo tratamento era enfeitado com uma vegetação muito bem cuidada, plantas lindas, em vasos, em xaxins, penduradas na parede, o que fazia com que o ambiente ficasse mais sereno e dava a impressão de que fosse um pequeno pedaço do paraíso. Não que fosse, mas pelo menos dava boa impressão e todo mundo ficava em silêncio, sem convesas com voz elevada, com temas picantes. Só conversas doutrinárias e muito respeito com os trabalhos da Casa. Senti-me muito bem ali, mas infelizmente é muito distante e não dá prá encarar dois ônibus mais um metrô prá ir até lá. Iria demorar umas duas horas prá ir e outras duas prá voltar. Só nisso, já dá prá fazer muitas coisas por aqui, onde a gente mora.

- É eu não moro perto, não! Mas o carro ajuda. - arrematou Carla, já não tão tensa como no início da conversa - Mas, às vezes dá vontade de procurar um Centro Espírita perto de casa ou do meu trabalho. Será que encontro um?

- Porque não? Deve ter... É questão de procurar. Se você quiser, a gente dá uma busca depois. Podemos ir lá em casa e a gente começa a procurar pela internet. Nem todas as Casas Espíritas estão informatizadas, mas mesmo assim, a gente acaba encontrando.

- Olha, hoje eu agradeço, mas não vai dar. Acho que eu vou embora, mesmo. Estou cansada e preciso tomar um banho e ir prá cama, que ela me chama! - as duas sorriram - Quem sabe assim, eu esfrio um pouco mais a cabeça e penso com carinho em tudo que você me disse hoje?

- É, certamente lhe faria bem, mas porque você não fica só mais um pouquinho e assiste o estudo do Dorival? Ele faz estudo do Livro dos Médiuns. É bem legal! Você vai gostar, com certeza!

- Ah, tá legal, Jandira! Você me convenceu! Vamos lá assistir a palestra do Dorival. Eu gosto dele e me parece que ele sabe muito da Doutrina Espírita.

- De fato, ele sabe muito, você tem razão. Então, vamos lá para o Salão Bezerra. Já deve estar começando...

Ambas entraram no grande salão, que tem a porta estrategicamente postada na parte posterior, para não atrapalhar as palestras já começadas. Sentaram-se na última fileira e entenderam que Dorival estava começando sua preleção.

- "Todos os dias a experiência nos traz a confirmação de que as dificuldades e os desenganos, com que muitos topam na prática do Espiritismo, se originam da ignorância dos princípios desta ciência e feliz nos sentimos de haver podido comprovar que o nosso trabalho, feito com o objetivo de precaver os adeptos contra os escolhos de um noviciado, produziu frutos e que à leitura desta obra devem muitos o ter logrado evitá-los.
Natural é, que entre os que se ocupam com o Espiritismo, o desejo de poderem pôr-se em comunicação com os Espíritos. Esta obra se destina a lhes achar o caminho, levando-os a tirar proveito dos nossos longos e laboriosos estudos, porquanto muita falsa idéia formaria aquele que pensasse bastar, para se considerar perito nesta matéria, saber colocar os dedos sobre uma mesa, a fim de fazê-la mover-se, ou segurar um lápis, a fim de escrever." Esta citação do Livro dos Médiuns - fala Dorival - que pode ser lida bem no início da Obra, pode ajudar-nos a entender a importância do estudo sobre a mediunidade e as responsabilidades que ela nos traz a todos. Não é a mediunidade uma atribuição que deveria ser exercida de modo leviano, sem estudo, sem interesse, sem pesquisa, mas, ao contrário, procurando entender e praticar com toda responsabilidade. Somente assim o médium reduz o risco de obsessões fatigantes que acabam por desestruturar ao indivíduo, à sua família, à casa espírita que freqüenta, enfim, a todos que o acompanhem na encarnação.

Após tomar um pequeno gole de água, de um copo que havia sobre a pequena mesa que lhe servia de apoio para colocar os livros e o material de que se utilizava para o seu trabalho quase diário do Centro Espírita que freqüenta há cerca de dez anos, ele retoma a palavra:

- “Entretanto, a maioria das pessoas, que procura o centro espírita, acaba freqüentando-o, sem desenvolver a devida consciência de que precisa ler, precisa estudar e aprimorar seus conhecimentos e práticas mediúnicas de modo sistemático, contínuo, persistente, afastando a preguiça e o descaso para dar vazão a este sexto sentido que temos na Vida que permite o intercâmbio com dois níveis da Vida. A maioria de nós vem em busca de ajuda, é verdade, mas acaba por se acomodar e não procura a auto-ajuda, o auxílio interior de que realmente necessita. Deveríamos, com certeza, receber o amparo que vem do Alto através dos emissários de Jesus dentro das Casas Espíritas, mas, somente no momento inicial, para adquirir a base, o princípio que impulsiona para a continuidade da Jornada que leva à liberdade. Assim, munidos de base, poderíamos manter a trilha e seguir em diante, portadores da vontade que constrói para a liberdade.

O primeiro grande recurso é a leitura e o estudo, a procura de informações através das palestras em Casas Espíritas, em reuniões, em seminários, enfim, onde se possa aprender. O segundo grande recurso é freqüentar sessões mediúnicas, desde que exista a condição para isso, colocando em prática a própria mediunidade, semana a semana, com a orientação dos mais experientes, com a prece no coração e a mínima disciplina para isso. O terceiro, após a conscientização da verdade e o início da prática, é a transformação interior, a mudança da personalidade, promovendo aquilo que alguns dizem estar ultrapassado, que é a reforma íntima. Sim, a transformação interior, os passos para a verdadeira transformação de si mesmo, seguindo os passos do Evangelho, em acordo com os ensinamentos do Cristo-Jesus.”

-“Se ouvíssemos a voz do Cristo dentro de nós, daríamos vazão á necessária verdade que transforma, compreendendo o que significa perdoar setenta vezes sete ou orar pelos inimigos e por aqueles que nos querem mal. Essa seria meta de nós todos. Mas ainda estamos por aqui, na tentativa de entender o que exatamente Jesus nos disse e, assim, por não compreender totalmente, às vezes confundimos conceitos e nos perturbamos com eles. Acontece, por exemplo, quando nos deparamos com uma situação na qual o chamado ao perdão é confundido com a necessidade da lição.”

-“Tendo alguém nos traído a confiança, ficamos à mercê de nossa própria desconfiança e, toda vez que esse alguém se aproxima de nós, nos causa um certo desconforto, gerando mal-estar físico e alterações emocionais diversas, na dependência do momento. Isso nos mostra que estamos adoecidos por conta da falta do perdão, pois se tivéssemos efetivamente perdoado esse alguém, sua presença não nos abalaria de modo algum.”

-“Aí deve vir o questionamento para si mesmo: O que há de errado em mim, que me faz passar tão mal diante desse alguém? Se a pergunta não trouxer nenhuma resposta, é por conta de que ainda não entendemos que é preciso perdoar, relevar, ter indulgência com esse alguém. Sua presença ainda nos incomoda e perturba, gerando desconforto, por que ainda temos guardado dentro de nós algo que precisaria ser despejado nesse alguém. Mas essa é uma postura destrutiva, infelizmente. Não há como ter paz íntima se não estivermos livres de pensamentos de cobrança de quem quer que seja ou do que quer que seja.”

Carla estava impressionada com as colocações de Dorival. Ele falava de forma tão natural e tão clara ao mesmo tempo. Suas palavras entravam em sua mente e tocavam seu coração. Aquele episódio deste mesmo dia, há poucos momentos, quando ele havia se irritado com o Sr. Manolo e carregado consigo uma certa raiva, que Jandira havia acalmado, já a deixava com um certo sentimento de culpa. Mas Dorival parecia ler sua mente:

-“Entretanto, é natural ter reações. Se alguém lhe agride, ou se você se sente agredido por alguém, seu organismo apresenta reações e há descarga de substâncias químicas no sangue que fazem seu coração acelerar, seu rosto enrubescer, suas mãos suarem... Trata-se de uma reação normal. Então é normal você sentir algo desconfortável em seguida a algo que você interprete como uma agressão. Mas não é normal que você mantenha esse desconforto por um período prolongado, gerando mal-estar e adoecimento, com o passar do tempo. Todo pensamento desagradável que permanece em nós por período prolongado, é gerador de doenças. Mas se conseguimos trabalhar o mais rápido possível esse distúrbio, nós ficamos livres das toxinas mentais que poderiam prejudicar nossas células, nossos tecidos, nosso organismo e, assim, evitamos doenças.”

A palestra já se encaminhava para seu final e Dorival dava início às preces de encerramento, evocando a memória dos suicidas, daqueles que arquitetam mentalmente o suicídio, dos agressores, dos obsessores, enfim, dos que sofrem por algum motivo e Carla estava de certa forma divagando, quando Jandira lhe dá um toque no ombro para que ambas saíssem para o jardim que havia em frente à lanchonete e tomassem um café. Carla aquiesceu e delicadamente se retiraram do ambiente.

Já na lanchonete, pediram o café se sentaram naqueles bancos de madeira que lembravam efetivamente uma praça cercada de vegetação natural pendurada nas paredes, alguns pequenos arbustos plantados em vasos espalhados com sabedoria por alguém que certamente tinha muita afinidade de carinho com as plantas e que havia transformado aquele pequeno pedaço de terreno em um cartão de visitas da Natureza, como, Carla achava, deveria ser em toda Casa Espírita.

Conversaram por alguns minutos e, em seguida Carla deu uma carona para Jandira até perto de sua casa e foi para a sua, afinal já era hora de descansar para retomar suas atividades do dia seguinte.

Foi impossível colocar a cabeça no travesseiro e não pensar no que ela havia vivenciado na Casa Espírita. Desde o momento de tensão com o Sr. Manolo até a agradável despedida de Jandira, tudo intenso e bem lúcido. Carla pensava que nunca havia tido tanta consciência das coisas como estava tendo naquele dia! Sentia que estava com algo diferente dentro de si mesma e que não voltaria a repetir equívocos como aquele que havia cometido em sua entrada na Casa. Teria de ser mais comportada de haveria de se comportar quando viesse a ser interpelada com alguma advertência, pois as pessoas naquele contexto estão tentando manter uma coisa muito importante para que um trabalho possa ter bom andamento: disciplina. Sem ela, como se pode ter bons resultados? É verdade, não há como! E de nada adianta ficar se debatendo quando alguém venha a nos advertir por conta de nossas limitações. Seja como for, é preciso manter a calma e entender que aquela pessoa está tentando ajudar com seu trabalho e seguindo determinações para que o trabalho siga em ordem com disciplina, para que seja efetivamente produtivo.

Nada de manter aqueles pensamentos, afinal, ninguém é meu adversário naquele lugar onde todos são trabalhadores e cada um que lá freqüenta também pode vir a ser e tentar fazer as mesmas coisas com a intenção de ajudar. É isso! Pacificar o pensamento, ter isenção de atitudes. Jamais tentar tirar proveito de qualquer situação que seja. Viver em equipe, pensar em equipe, ter indulgência, afastar o orgulho do coração, das atitudes, da vida, progressivamente. Com esforço, muito esforço, pois afinal de contas o maior beneficiado é aquele que se esforça. Adquirir disciplina e lembrar quão importante é esta característica para cada um de nós. Sem ela, não se conquista os demais atributos que a pessoa humana

Depois de muitas reflexões, Carla caiu no sono e descansou profundamente.

Curiosamente Carla se vê, sonhando, de volta na Casa Espírita. Ela nem mesmo saberia como voltou lá, mas lá estava ela já no corredor principal que dava acesso ao salão maior e às outras dependências da Casa. E olha que tinha muita gente na Casa,einh! Muito interessante! Muitas fisionomias que ela ainda não conhecia e algumas já familiares, mas estas passavam por ela sem notar sua presença. Como se ela não estivesse efetivamente no lugar. Mas ela conseguia entender a razão: todos muito ocupados, alguns aplicando passes, outros fluindo a água – Fluindo a água? Que estranho! – outros, ainda, limpando as paredes, as janelas, as plantas – Mais estranho ainda, pensou – De qualquer modo, a agitação era intensa e realmente não dava para dar atenção a quem chegasse assim, sem aviso prévio.

Subitamente algo lhe chamou atenção no panorama do ambiente: a sala de repouso estava muito florida, muito perfumada! Como pode ter mudado tanto e tão rapidamente?

Ester, a moça da livraria passou por ela e comentou:

- Oi, Carla! Não estranhe, nesse plano as coisas são diferentes do plano material!

- Nesse plano???

Só aí é que Carla se deu conta de que estava “sonhando”. Como poderia ser chamado um sonho assim? Sonho vivência? É, talvez seja isso mesmo! Uma vivência espiritual enquanto se está dormindo, pois era tudo muito vivo, muito natural, claro e ao mesmo tempo sereno. Surreal e real ao mesmo tempo. Nada assustador: simplesmente natural.

Mas foi através desta vivência que Carla teve a oportunidade de experimentar o convívio mais próximo com pessoas que ela nem mesmo conhecia da Casa Espírita. E foi ótimo! Parecia não caber em si de alegria, mas o tempo foi passando e chegou a hora de fecharem o trabalho com a prece. Todos se reuniram no salão Bezerra e sentiram a presença daquele que pode ser chamado de mentor da Casa. Carla, pelo menos ela, não conseguia vê-lo, mas ela percebeu que algumas pessoas olhavam para um ponto fixo, como que acompanhando alguém a falar. Eram os preparativos para a prece, que aconteceram por alguns segundos, não mais que um minuto.

Na seqüência, um rapaz conhecido de todos, chamado carinhosamente por Navi, um apelido, iniciou a prece com voz calma, pacífica e as pessoas acompanharam com muita serenidade, até o final e logo após Carla viu todos se retirando.

Acordou sentindo uma paz e lembrando do que sonhara. Parecia algo impossível. Será que era isso mesmo, meu Deus? Como ter certeza? Levantou e foi se preparar para ir para o trabalho.

O dia passou e as recordações referentes àquela experiência foram se esmaecendo. Entretanto, Carla ainda guardava consigo as sensações de seu "sonho vivência" e, quando podia dar uma paradinha em suas atividades, recordava algo, já com alguma dificuldade e se irradiava de uma nova fé. Pelo menos era assim que ela sentia: como se estivesse renovada em algo, como se tivesse passado uma etapa de sua vida e iniciado outra. Era uma sensação muito agradável e reconfortadora.

Mas sentia, neste dia, uma enorme necessidade de ir à Casa Espírita, não só pelo carinho que se acentuou naquela noite especial, mas por conta de procurar por Jandira - se ela lá estivesse - e compartilhar as lembranças de uma noite tão agradável. O que será que Jandira iria dizer?

"Ah, não importa! Tenho certeza de que ela vai gostar de saber que eu estou disposta a mudar e conhecer mais a Doutrina Espírita!" pensou Carla.

Um comentário:

Ivani Silva disse...

Bela história...Que possamos seguir o exemplo de Jandira ,quando nos depararmos com situações semelhantes para que a malediscência e o melindre não seja alimentado e se espalhe ,contaminando mais pessoas e prejudicando os trabalhos da Casa. E que possamos também seguir o exemplo de Carla, ou seja rever nossos conceitos ,aprimorar nossos conhecimentos em busca da nossa transformação interior , através dos estudos e da nossa vontade de melhorar . Quando lemos histórias iguais a esta fica difícil não associarmos à nossa realidade, afinal de contas ,quem nunca passou por uma situação semelhante ? É pena que nem sempre encontramos em nosso caminho pessoas como Jandira ,que de forma paciente e racional nos ajude a compreender determinadas situações...